Letra feia não é só pressa
ou preguiça. PODE SER DISGRAFIA
TRANSTORNO
DE APRENDIZAGEM AFETA A CAPACIDADE DE ESCREVER OU COPIAR LETRAS, PALAVRAS E
NÚMEROS.
Nathalia
Goulart
DISGRAFIA: EXERCÍCIO MOSTRA LETRA DE ADOLESCENTE DE 14 ANOS (REPRODUÇÃO)
ASSIM COMO EM OUTROS
TRANSTORNOS DE APRENDIZADO, O TRATAMENTO DA DISGRAFIA É MULTIDISCIPLINAR E
ENVOLVE NEUROLOGISTAS, PSICOPEDADOGOS, FONOAUDIÓLOGOS E TERAPEUTAS.
Com os cadernos de
caligrafia fora de moda nas escolas, a letra ilegível deixou de ser marca
registrada apenas de médicos e apressados. Atraídos pelo computadores, crianças
e jovens tendem a exercitar pouco a letra cursiva - antes treinada à exaustão
nas folhas milimetricamente pautadas. Assim, a hora da escrita pode virar um tormento: tanto para quem escreve quanto
para quem lê.
Nas crianças em idade de
alfabetização, no entanto, a atenção de pais e professores deve ser redobrada. Letra feia no
caderno pode não ser apenas falta de jeito com o lápis ou caneta, mas, sim, um
transtorno de aprendizagem conhecido como disgrafia, que afeta a
capacidade de escrever ou copiar letras, palavras e números. O centro do
problema está no sistema nervoso, mais precisamente nos circuitos neurológicos
responsáveis pela escrita.
“A
disgrafia pura ocorre ainda durante a gestação e já nasce com a criança. Ela não é adquirida”, explica Rubens
Wajnsztejn, neurologista especializado em infância e adolescência. De acordo
com Marco Antônio Arruda, neurologista do Instituto Glia de Cognição e
Desenvolvimento, estudos apontam que a
disgrafia é mais comum em meninos e é detectada ainda na infância, depois que o
processo de alfabetização é consolidado, por volta dos oito ou nove anos.
“A disgrafia pode ocorrer em adultos também, mas somente quando ocorre uma
lesão, como um derrame, que pode comprometer a coordenação motora de mãos e
braços”, afirma o médico. “Mas, nesse caso, já não se trata mais de disgrafia
pura”.
Ainda na infância, a
dúvida é saber quando a letra ilegível vai além da preguiça ou pressa e deve
ser tratada como transtorno. Um teste
eficiente é pedir que a criança escreva algumas frases em uma folha sem linhas,
conta Raquel Caruso, psicomotricista e coordenadora da Equipe de Diagnóstico e
Atendimento Clínico (Edac). Se o resultado for uma escrita lenta, com
letras irregulares, retocadas e fora das margens, é hora de preocupar-se.
Além disso, os disgráficos têm dificuldades em organização espacial: daí, a escrita
em que as palavras parecem “subir e descer o morro”.
OS
SINTOMAS DA DISGRAFIA NÃO SE REFEREM EXCLUSIVAMENTE À ESCRITA. ALGUNS OUTROS
SINAIS DE ALERTA PODEM AJUDAR OS PAIS ANTES MESMO DA ALFABETIZAÇÃO DOS FILHOS. “Se você leva a criança a uma festa junina, por
exemplo, observe se ela tem ritmo para acompanhar as músicas, memória para
fixar os passos e atenção aos movimentos”, diz Raquel Caruso. Se observada alguma dificuldade nesse
sentido, é hora de estimular a prática de exercícios físicos como correr e
nadar, além de brincadeiras como amarelinha, pintura e recorte para estimular a
parte motora dos pequenos.
A falta dessas atividades pode comprometer o tônus
muscular, piorando a já difícil situação dos disgráficos.
RENDIMENTO ESCOLAR – É importante ressaltar que a disgrafia não compromete o
desenvolvimento intelectual da criança nem é um indicador de que o Q.I.
(quociente de inteligência) dela é baixo. Silvana Leporace, coordenadora do
serviço de orientação educacional do Colégio Dante Alighieri, em São Paulo,
reforça: “Geralmente, os disgráficos são
alunos muito inteligentes. A comunicação oral deles é muito boa, mas, na hora
de colocar as ideias no papel, eles têm muita dificuldade”, conta. É
ESSE DESDOBRAMENTO DO PROBLEMA QUE PODE PREJUDICAR O RENDIMENTO DO ALUNO. Devido à dificuldade no ato motor, a criança demora mais a realizar algumas atividades, em comparação
a seus colegas. É o caso de tarefas simples como copiar a lição do quadro.
Outra situação típica: a professora pede
que os estudantes redijam um texto, e o disgráfico, envergonhado pela a letra
feia, conclui que nem vale a pena escrever. “Isso
abala a auto estima da criança”, diz Sônia das Dores Rodrigues,
da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). Diante do obstáculo, ele deixa de aprender.
Sem o treinamento exaustivo da caligrafia, a
atenção na escola deve ser redobrada. “Se o treinamento da letra cursiva existe
desde cedo, é possível encontrar os disgráficos. Com a prática em desuso, os
professores e pais podem confundir disgrafia com preguiça”, alerta Marco Antônio Arruda. “Mas a letra feia pode ser treinada e as crianças tidas
como preguiçosas têm as habilidades necessárias para escrever bem. Já as digráficas, não: elas não tem
habilidade e precisam de tratamento.”
COMO TRATAR
Assim como em outros transtornos de aprendizagem,
o tratamento da disgrafia é multidisciplinar e envolve neurologistas,
psicopedadogos, fonoaudiólogos e terapeutas. Medicamentos só são indicados
quando existem outros transtornos envolvidos, como déficit de atenção (DDA) ou
hiperatividade.
Em
relação à parte motora,
Raquel Caruso, do Edac, afirma que é necessária uma preparação prévia do
paciente, com exercícios mais amplos, para depois chegar à escrita. “O ponto principal é trabalhar com o corpo,
com exercícios como manusear a argila e
http://www.flickr.com/photos/ufpr/5937298892/
massagens, e depois partir para o
específico, que é a escrita e outros problemas, como o de memória”, explica. “Vemos apenas o produto final, que é a letra
ilegível, mas existe muita coisa por trás disso”. O tratamento pode
levar meses e até anos, variando conforme o caso. O objetivo não é atingir a letra bonita, mas, sim, legível. E dar uma
forcinha para o processo de aprendizado das crianças
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